O Projecto " Arte Nossa" nasce pela necessidade de atribuir um novo ênfase às questões dos ofícios tradicionais de Castelo de Vide, uma vez que enfrentam o risco de desaparecer por completo, perdendo-se, assim, parte da memória colectiva de Castelo de Vide e, consequentemente, da sua autenticidade.É neste sentido que pretendemos não somente apresentar alguns destes ofícios, como também debatê-los num contexto teórico e numa perspectiva futura.Assim, o projecto incidirá em dois aspectos distintos mas que se complementam: por um lado a mostra de ofícios que será apresentada em pontos específicos da vila que o visitante percorrerá; por outro lado, um debate sobre a importância dos ofícios enquanto manifestações da identidade e autenticidade de Castelo de Vide, bem como promotores de desenvolvimento local.


Arte Boleira

O agradável aroma que percorre aquela rua depressa nos atrai e impele a segui-lo, num misto entre a tentação e alguma preguiça a que as manhãs sempre obrigam. Encontramos, então, a simpática Casa de chá que o olfacto não permite ignorar. Ao entrar, como que enlevados por odores que à meninice lembram, contemplamos distintos géneros de bolos que não representam mais que parte integrante da memória e identidade do povo de Castelo de Vide.
E é, portanto, neste ambiente caseiro e acolhedor que descobrimos Belmira Branquinho, senhora com uma voz adocicada por 40 anos de mestria na arte boleira. A D. Belmira, natural de Castelo de Vide, vila que a viu nascer no ano de 1933, que a viu casar aos 23 anos, que a viu dar à luz a sua única filha, teve pouco tempo para estudar, a família era grande e por isso desde cedo que teve de cuidar dos seus irmãos.
Começou a sua vida profissional como modista, ofício que aprendeu durante 3 anos, abriu o seu próprio negócio mas chegou uma nova legislação a nível do comércio e a obrigatoriedade de ter de se colectar e pagar às finanças deixando-a, assim, sem outra escolha que não deixar o ofício, que tanto ama e que vai ainda praticando. Idealiza algumas peças, faz casacos, blusas e saias para a sua maior cliente, para ela própria. “ Em estando aqui até se esquece” diz a filha sobre a costura, à D. Belmira.
Casada com um sapateiro, a vida era difícil. Conheceram-se porque moravam perto (“éramos quase vizinhos!”). Nessa altura a D. Belmira “trabalhava na costura, era modista (haviam muitas modistas em Castelo de Vide) ”. Como moravam perto costumavam cruzar-se na rua e ele começou a gostar dela. Nessa altura D. Belmira namorava com um rapaz da sua idade, e o seu marido perguntava-lhe: “Então mas não deixa o gaiato?”, “e que, enfim que a obrigar-me a deixar o rapazinho. E eu deixei!”
Deixou o trabalho de modista e com o seu companheiro de vida abriram um pequeno restaurante. Tinham-se mudado há pouco para uma casa da sociedade em que não pagavam renda nem luz, tornando assim, as coisas mais fáceis. Ainda aí trabalhou na costura (com um pequeno numero de empregadas) acumulando a este ofício a confecção de petiscos no restaurante. Ia fazendo os petiscos e às vezes os bolinhos para o café de cafeteira….Um dia fazia mais umas coisinhas, outro dia outras, e assim começou a aumentar o negócio, dedicando-se somente à bolaria. Arte que a mãe lhe ensinara e que sempre fizera com gosto.
E na casa de chá que hoje é sua faz, as delícias dos seus clientes e amigos. As especialidades da casa são as famosas boleimas, os bolos de massa, o bolo finto, a enxovalhada e os biscoitos escaldados.
Ninguém se lembra de quando se começou a fazer estes bolos, mas também são poucos os que se perguntam…Em entrevista com o Sr. Carolino Tapadejo, tão bom conhecedor das questões dos judeus e cristãos novos, esclareceu-nos sobre a origem destes tão deliciosos bolos. “O pão ázimo transformou-se em bolo de massa que depois evoluiu para boleima. O bolo de massa, sem doce é só com farinha, água, sal e um bocado de azeite. Era massacrado com um garfo exactamente porque os judeus achavam que o pão tinha que ser massacrado, mas como eram judeus não poderiam chamar pão ázimo.
Mais tarde começaram a por na massa, por alguma festa, um bocado de açúcar e canela e até um bocado de maçã e é assim que nascem as boleimas. O biscoito escaldado são umas rosquinhas, uns “s”, cuja farinha chegava de outros lados, e como não era não controlada, escaldavam-na, com azeite a ferver para tentar purificar a farinha.”
A boleima é, sem dúvida, o bolo mais famoso da casa, pelo seu delicioso sabor e esplendorosa confecção. A boleima é feita a partir da massa do pão à qual se adiciona banha. Tende-se, então, a massa num tabuleiro e espalha-se o açúcar e a canela (pode ter ou não maçã) Pica-se a massa com um garfo, depois de estar estendida no tabuleiro, para tirar o ar e vai ao forno 20 a 30 minutos.
Para desempenhar a sua profissão necessita de uma cortadeira de colher de pau de alguidar para dissolver a massa trincha, para pintar bolos, tabuleiro, batedeira, amassadeira e raspador
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