O Projecto " Arte Nossa" nasce pela necessidade de atribuir um novo ênfase às questões dos ofícios tradicionais de Castelo de Vide, uma vez que enfrentam o risco de desaparecer por completo, perdendo-se, assim, parte da memória colectiva de Castelo de Vide e, consequentemente, da sua autenticidade.É neste sentido que pretendemos não somente apresentar alguns destes ofícios, como também debatê-los num contexto teórico e numa perspectiva futura.Assim, o projecto incidirá em dois aspectos distintos mas que se complementam: por um lado a mostra de ofícios que será apresentada em pontos específicos da vila que o visitante percorrerá; por outro lado, um debate sobre a importância dos ofícios enquanto manifestações da identidade e autenticidade de Castelo de Vide, bem como promotores de desenvolvimento local.


Arte Pastoril

No ano em nasceu Sr. Francisco Viegas tudo era diferente estávamos no ano de 1934 e Portugal era ainda um país fortemente rural. Castelo de Vide apesar das suas características de cidadezinha moderna compactuava com este estado da nação. De facto, eram muitos os Senhores que tinham terras, propriedades fundiárias que precisavam de gente para trabalhar a terra, para guardar os animais.
Estas herdades eram frequentemente, designadas como “monte” que era um local longe da vila para onde os lavradores produziam o seu trabalho agrícola. O “monte” era formado pela residência do lavrador, uma pequena casa solitária caiada, estábulos e arrecadações. Dos montes “avistavam-se apenas outros montes ou pequenas casas ao acaso, pelas tapadas, também sós e acanhadas, onde se guarda palha e dormiam não há muito os boieiros”. Na ausência dos patrões este ficava ao encargo do caseiro que deveria zelar pela horta e pelos animais e que vivia no monte ou então numa pequena casa a ele destinada.
Na década de 50 ainda os serões no “monte” eram animados era ai que se reunia toda a família do lavrador e da criada os caseiros, os ganhões, o abegão, os criados, o porqueiro e finalmente o vaqueiro que nem sempre podia estar presente. No monte cada um tinha a sua tarefa bem definida Nos “posies” ficava o cabreiro e o pastor a guardar os rebanhos quando á noite se fechavam as cancelas de paus e que no inverno eram guardadas pelos cães. Habitam com as mulheres e por vezes com os filhos o “sôche”, pequeníssima choça cujo esqueleto de madeira de carvalho ou salgueiro era forrado de “pa(o)lha, ça(e)enteia malha(o)da”. A cama era feita no chão sobre a camada espessa de mato. Nas saliências de madeira ficavam pendurados os objectos de madeira de uso diário, tais como as panelas uma cesta onde se guardava o toucinho e a “corna” do sal, um alforge de trapos debruado, onde estava o pão e as mercearias que traziam à sexta-feira da vila.
O lume era acesso a meio do espaço com três pedras que serviam de trempe onde se colocavam os tachos e a caçarola.
No verão iam para a sombra do chaparro onde também se ordenhavam as ovelhas e as cabras e o leite era transportado para o “monte” à cabeça do pastor ou do cabreiro se a quantidade não se justificasse seria o criado que pegando nos “latons” os levava no dorso de um burro. O pastor deveria fazer uns corredores que dava o nome de aprisque sendo ai que mugia as ovelhas e as cabras.
As mulheres dos cabreiros e pastores cuidavam da casa e da comida e trabalhavam também no campo. O milho de sequeiro era semeado nas baixas dos ribeiros onde também se semeava o “fejã(o) prête” .
O lavrador retalhava o campo por sulcos no tempo das sementeiras a que dava o nome de sortes. Sachavam amontoavam cortavam a folha do milho colhiam e desensamarravam o milho também malhavam e limpavam a eira depois eles ficavam com metade da produção pois tinham que dar ao lavrador aquilo que ele semeara estas eram as pessoas que vinham de fora dormindo muitas vezes ao relento ou em qualquer canto. (referencia do livro)
No monte a lavradora e as filhas fabricavam o queijo e tinham um forno onde também se fabricava o pão. Os vaqueiros guardavam e tratavam do gado bovino e como os animais dormiam sempre ao relento muitas vezes tinham as estrelas como tecto e outras a cama de palha perto do local onde andasse o gado.
0 Senhor Viegas nasceu em Povoa e Meadas mas cedo Castelo de Vide passou a ser a sua terra. Apenas com um ano e meio de idade seu pai foi caseiro numa herdade, que hoje se situa perto do quartel de bombeiros na terra que adoptou como sua, nas imediações havia uma carpintaria onde passava largas horas vendo as pessoas trabalhar a madeira.
Com tenra idade começou a trabalhar na vida do campo guardando gado. O tempo demorava a passar no longo Alentejo das searas e dos campos intermináveis. Assim, enquanto esperava, paciente que se alimentassem os que guardava, com as canas frechas e a sua navalha de inúmeras utilidades, indispensável instrumento de trabalho e de sobrevivência ia retalhando os pensamentos e dando forma às canas. Nunca ninguém lhe ensinou a arte aprendeu-a observando na carpintaria que ficava perto e nas longas horas de espera, de pastagem no sol ardente de baixo da solidão da imensidade alentejana. Então cortava o tempo, contava histórias, retalhava a sua fazendo as carroças ponto essencial da vida do campo mas também aquele em que acredita e em quem é devoto Cristo e porque não que os bonecos sejam parte da sua história.
De facto, a arte pastoril no Alentejo remete-nos já para tempos que nos parecem longínquos. Esta arte foi durante muito tempo uma actividade paralela á questão do pastoreio em que se matava o tempo alentejano produzindo os mais variados objectos utilitários, mas também decorativos (eram feitos chavões que serviam para marcar o pão no forno comunitário a tripeça os canudos de lareira rolos de estender a massa… a cortiça para o tarro coxos lancheiras molduras saleiros caixas de segredos etc. de chifre faziam-se as colheres garrafas, azeitoneiros, polverinhos, cornas para carnes ou azeitonas assobios, botões, travessas pentes pulseiras correntes etc.) tendo sempre como recurso os materiais mais próximos do pastor (madeira, canas, cortiça, junco, palha, bunho, chifres entre muitos outros dependendo apenas da imaginação e da habilidade). A navalha é, na arte pastoril, o elemento essencial, é ela que borda os materiais, que escava, que corta, recorta, entalha, encaixa e esgravata. Se por um lado a arte pastoril, nasce para suprimir muitas das carências e dos recursos materiais das quais as pessoas do campo sofriam criando objectos utilitários e de uso pessoal ela começou também assumir uma vertente mais decorativa, mas de uma forma ou de outra nunca esquecendo as questões estéticas. Muitas vezes alguns dos objectos produzidos no campo à sobra de qualquer chaparro era a prova da paciência de um amor cuja obra lhe era oferecida.
De facto, Francisco Viegas não borda colheres, nem caixas de segredos, mas os trabalhos que realiza são produzidos da mesma forma, com os mesmos recursos no mesmo contexto.
Francisco Viegas, homem de trabalho, (guardador de gado, ganhão, pedreiro, aleveneo, artista) está hoje reformado. Desde que deixou a profissão do campo que deixou de produzir estes trabalhos, voltando a produzi-los quando a doença se instalou e a reforma lhe deixou tempo para se sentar de novo no seu portal. Antes em cana hoje os seus trabalhos são feitos dos mais variados materiais como madeira (de vários tipos) e cortiça com alguns elementos em pele. Produz bonecos de madeira, Cristo-Reis, arados, carros de bois e carretas (antigas carroças), trabalhando em média uma hora por dia.

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