O Projecto " Arte Nossa" nasce pela necessidade de atribuir um novo ênfase às questões dos ofícios tradicionais de Castelo de Vide, uma vez que enfrentam o risco de desaparecer por completo, perdendo-se, assim, parte da memória colectiva de Castelo de Vide e, consequentemente, da sua autenticidade.É neste sentido que pretendemos não somente apresentar alguns destes ofícios, como também debatê-los num contexto teórico e numa perspectiva futura.Assim, o projecto incidirá em dois aspectos distintos mas que se complementam: por um lado a mostra de ofícios que será apresentada em pontos específicos da vila que o visitante percorrerá; por outro lado, um debate sobre a importância dos ofícios enquanto manifestações da identidade e autenticidade de Castelo de Vide, bem como promotores de desenvolvimento local.


Barbeiro


Embora o barbeiro seja comummente designado como aquele que por ofício rapa ou apara barbas e corta o cabelo dos homens, a verdade é que o papel que tem desempenhado ao longo da história é bem mais profícuo do que normalmente julgamos.
Com efeito, em terras pequenas acontecia por vezes, que os antigos barbeiros acumulavam, igualmente, a arte da pequena cirurgia, quer fosse a sangrar ou a tirar dentes.
Efectivamente, este ofício tinha já no séc. XVI regimento próprio, dado pelo Senado de Lisboa. Em 1604 Manuel Leitão publicou uma obra curiosa cujo título é: "Práticas de barbeiros em 4 tratados, em os quais se trata de como se há-de sangrar e as cousas necessárias para a sangria e juntamente se trata em que parte do corpo humano se hão-de lançar as ventosas assi secas como sarjadas (…)" (CRAESBREECK, Pedro, 1604).
Foi a partir do séc. 1000 que o barbeiro começou a ganhar grande importância, não só pela sua arte ocupada em tonsurar os monges, mas também em sangrá-los, segundo as regras monacais. De facto, o barbeiro foi considerado um verdadeiro prático no seu mister de cirurgião e sangrador, até ao final do séc. XVIII, momento em que tais práticas lhes foram proibidas, sob pena de incidirem em infracções legais se continuassem o seu exercício.
Assim, com o passar dos tempos e a adaptação a novos costumes, a grande maioria dos barbeiros tem sentido o declínio da clientela, que prefere os modernos e sofisticados cabeleireiros.
Com efeito, o manuseamento ágil dos utensílios no acto de cortar cabelos e barbas, que anos e anos de prática ajudam a consagrar, representa um verdadeiro serviço personificado à comunidade e que resulta num compromisso social partilhado entre os clientes frequentes e o barbeiro.
Deste modo, a barbearia distingue-se como um local profundamente social, onde as desprendidas conversas trocadas na antiga cadeira verde são a ordem do dia, produzindo um clima de empatia e bem-estar comum.
E encontramos na animada “barbearia do Chinês”, sempre aberta, uma pequena porta que nem assim consegue esconder a mestria de quem com uma boa disposição contagiante manuseia com perícia os instrumentos que fazem de sim um caso impar. Referimo-nos a João Marmelo Chaves, que abraçou esta profissão há cerca de 60 anos atrás. Aprendeu esta arte, com os mestres barbeiros de Castelo de Vide, que em tempos chegaram a ser treze.
Desde os seus doze anos de idade, que aprendera a manejar a tesoura, nas várias casas de barbearia, onde inicialmente não recebera ordenado, pois a sua retribuição era paga com a aprendizagem do ofício.
Depois de 3 anos de aprendizagem, até desempenhar correctamente o ofício, trabalhou ainda em várias barbearias de Castelo de Vide, abrindo, posteriormente, o seu próprio negócio no qual se mantém à 54 anos, perpetuando a existência da última barbearia da vila.
A sabedoria que muitos anos de prática permitem, foi já transmitida a 20 rapazes a quem ensinou o antigo ofício, acabando muitos deles por trabalhar na Suíça e em Londres, certamente motivados pela habilidade e concepção natural de quem faz de um ofício uma vida!
Na verdade, na barbearia do Sr. João Chaves, nunca faltou gente. Desde a sua abertura matinal até fechar a porta, já ao entardecer, há sempre quem deite uma espreitadela, nem que tão simplesmente para esboçar um cumprimento.
De facto, a “barbearia do Chinês” é um exemplar copioso da barbearia de há 54 anos atrás… Tudo nela é igual e se encontra igualmente disposto, só os rostos que por ela ficam e se perdem, atestam, à semelhança dos próprios objectos, a inevitável passagem do tempo. O Sr. Chaves relata também orgulhosamente que as cadeiras lhe “custaram 4200 escudos” e até que um senhor americano, à cerca de cinco anos, lha quis comprar uma delas pela quantia de 600 euros, negando-se de imediato a vendê-la.
À bancada por onde se distribui todo o seu material dá-se o nome de tanjete. Esta dispõe um conjunto de utensílios necessários à sua prática diária, nomeadamente, a taça da espuma, o espanador, a escovinha, a tesoura, a navalha e os cremes.
Com seu ar simpático e entusiástico, o Sr. Chaves confessa que “ fazer a barba, custa só um euro”, um preço simbólico, para uma prática que há muito se vem perdendo no tempo.
Na verdade, com humildade e igual devoção ao ofício que desenvolve, afirma que a barbearia se encontra aberta semanalmente, das 9 horas às 19horas, encerrando somente aos domingos e 2ª feiras de manhã, dia em que se desloca ao “Albergue” para fazer, também aí, a barba aos utentes.
Contudo, paralelamente à profissão de barbeiro, esteve envolvido em muitas outras actividades, que atestam a sua iniciativa e apurada sensibilidade. Esteve, portanto, ligado ao Grupo de Teatro de Castelo de Vide, onde representou inúmeras peças, tais como “A Barca do Inferno”de Gil Vicente, afirmando ainda sabê-la de cor. Foi também membro da Banda Filarmónica de Castelo de Vide, onde tocou trompete, chegando a trocar a sua barbearia pelos concertos que realizavam em Setúbal, Lisboa e Estremoz. Afirma que “…eram as únicas alturas em que encerrava a barbearia”.
“ Nesta vida, eu não fazia só barba nem cortava cabelos” – afirma Sr. João Chaves, que há cerca de dois anos, se viu obrigado a encerrar, a única casa que vendera “jogo” em Castelo de Vide, e que mantinha há 50 anos, onde era agente do campeão.
Chegou também a ser em tempos passados, agente funerário. Com a experiência destes tempos, surgem histórias caricatas, que ocorreram em tempos passados. São memórias que contagiam o seu percurso de vida e que faz questão de partilhar, com os seus clientes e amigos.
Efectivamente, no longo trajecto da vida, ténue como um fio de cabelo, os seus clientes mais antigos acabaram por falecer, conseguindo identificar perfeitamente o pai do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide como o seu mais antigo cliente vivo.
Os dias em que havia maior freguesia na barbearia seriam, noutros tempos, as sextas-feiras e os sábados, porém actualmente o panorama é diferente, e todos os dias se vai trabalhando. Presentemente, o sábado surge como o dia mais fraco.
E ao reflectir no seu meio século de prática deste ofício afirma levar muitas amizades e uma “ bagagem repleta de histórias de muitas vidas”, que foram cortadas e aparadas por aquele que, preservando uma paixão inesgotável à arte que tranquilamente desenvolve, levará sempre consigo os sorrisos daqueles que entraram “na sua barbearia verde…”

1 comentário:

Joaquim Pinto disse...

Amigo dou-lhe os parabéns pelo seu comentário que descreve á cerca do barbeiro.leva-me a crer com esta documentação que se refere no seu blog, está muito dentro da matéria, e por afirmar isto, é por que sei um pouco da historia dos barbeiros que marcaram uma historia que jamais poderemos esquecer.
Parabéns amigo e não termine volte a publicar que o meu amigo tem conhecimentos.
Um abraço
Joaquim Pinto